Chamada da revista Moara para dossiê: O corpo-território e as políticas do afeto
Data de abertura: ⋅ Data de encerramento: ⋅ Países: Brasil
Moara – Revista eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras - Universidade Federal do Pará
Chamada de trabalhos: Edição 68 - 2024.2
O corpo-território e as políticas do afeto
Mais do que meramente uma entidade biológica, o corpo é uma entidade histórica, atravessada por memória e conhecimentos pessoais e comunitários. O corpo é, sobretudo, um território político (Pisano, 2011) que, entretanto, pode vir a ser apropriado por discursos, ideologias e práticas que desestruturam seus saberes individuais e coletivos. Neste caso, a exploração e opressão configuram-se como dispositivos historicamente institucionalizados que, por conseguinte, geram e sistematizam "geografias do terror" (Borzacchiello et al., 2022). Nas chamadas "guerras internas" produzem-se não somente a apropriação dos corpos e sua anexação quase como território, mas também sua condenação (Segato, 2016). Não obstante, em "tempos de paz" a opressão também é produzida pela invisibilização e extermínio de corpos femininos e feminizados, assim como de corpos racializados e/ou em trânsito migratório.
Em outra chave, a luta ambiental está diretamente ligada à preservação de um corpo que é também não-humano (animal, espectral, vegetal, mineral), um corpo-território pensado como coletivo e detonador de transformações. Resulta significativo que em contextos de conflitos eco-territoriais sejam as mulheres as que carregam o papel de defender a natureza (Silva Santisteban, 2017). Essa constatação abre a reflexão sobre como o extrativismo, por exemplo, afeta corpos humanos e não-humanos e, de maneira diferenciada, a vida das mulheres em seus territórios, com ressonância em suas práticas políticas e em produções culturais diversas.
O corpo pode, assim, ser estudado a partir de diferentes modalidades de relação, tanto como território primeiro e individual, quanto coletivamente, pensado desde a biopolítica e seus efeitos como coletivo. Mas ele também pode ser pensado politicamente como um prolongamento da t/Terra, isto é, como corpo-terra (Haesbaert, 2020), em elo profundo com a natureza, como mostram diferentes culturas ameríndias. O corpo-terra-floresta é vivo, tem espírito e coração, respira, fecunda, mas também adoece, morre e reage (Kopenawa & Albert, 2015), isto é, afeta e é afetado, agencia e relaciona-se. A potência política do corpo-terra envolve pensar a ampliação da noção de sujeito para além do humano e suas interrelações com o espaço, abrindo o campo político para o não-humano, pensando a re-existência implicada na resistência. Em qualquer um dos casos, o corpo insere-se em experiências ou concepções múltiplas e amplas de tempo e espaço definidas na interação com outros seres e diretamente ligadas a processos culturais, ambientais, históricos e econômicos.
Neste sentido, torna-se urgente repensar/discutir o corpo como entidade política, mais precisamente como um território de dimensão prática (Gago, 2019) e, sobretudo, mobilizada pelo afeto como elemento propulsor de transformação.
O afeto provocado pelas obras de arte está diretamente ligado à consideração da arte como uma força cultural política. Uma imagem, frase ou materialidade desempenham performances que atuam gerando efeitos que, por sua vez, podem ser políticos, éticos e estéticos (Bal, 2019), colocando em relevo o potencial crítico de diferentes produções culturais que, no contexto atual latino-americano, contestam os diferentes modos de violência através dos afetos e da forma.
A arte e a escrita contemporâneas parecem lançar luz sobre tal problemática. A partir de suas diversas estratégias discursas e/ou visuais de representação, figuração, e de encenação do real, evidenciam o corpo como um campo de/em disputa, implicando afetos. Embora sejam evidentes as configurações da violência sobre múltiplas corporeidades, produções estéticas atuais vêm promovendo uma subversão da ideia do fracasso e da violência, contestando a história oficial e colonial, a fim de vislumbrar e materializar outras possibilidades de narração e representação, especulando outros territórios possíveis pela corporeidade do afeto e seu caráter performativo.
Neste sentido, a proposta desta edição é pensar as relações entre corpo, território, escrita e as políticas do afeto nas literaturas latino-americanas e em outras produções estéticas em diálogo com a escrita.
Convocamos os pesquisadores a participar com um artigo sobre as questões levantadas. Para isso, propomos algumas perguntas que possam servir de guia:
- Como as práticas culturais contemporâneas contribuem para a formação de comunidades afetivas?
- Como as produções artístico-literárias latino-americanas mobilizam e ecoam os afetos a partir do texto e através do corpo-território?
- Como as textualidades permitem interrelações entre distintas corporalidades (humanas e não-humanas)?
São bem-vindos artigos em português, inglês, espanhol e francês.
As normas para submissão de artigos na Revista Moara se encontram em: http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/moara/about


