Ao longo da história da cultura, que a arte e a literatura textualizam, a transcendentalidade vai cedendo a uma centralidade humana, o destino ao protagonismo e o sentimento de impotência ao deslumbramento pela sua capacidade criativa. Neste lento processo do désenchantement du monde, cujo cenário ultrapassará progressivamente também as colunas de Hércules do mundus clausum mediterrânico, a épica mantém o fascínio, seja renovando-se à luz das transformações do conhecimento e do mundo, entretecendo os velhos modelos e as novas realidades, modelando comportamentos e identidades, construindo nações, sentimentos de pertencimento, seja ainda enquanto ruínas e restos poéticos provenientes do Cânone literário e artístico. O dossiê temático do décimo primeiro número da Revista Épicas será dedicado às releituras críticas do épico a partir do diálogo com o Cânone Ocidental. Interessam, particularmente, contribuições analíticas que registrem outras linguagens (inclusive híbridas) tais quais o teatro, o cinema, as artes plásticas, o cordel, etc., que assumem o épico enquanto figurações do mundo e lugar de reafirmação da identidade histórico-cultural ainda que em tempo de globalização e de crise dos valores tradicionais, das novas tecnologias e da pós-verdade. A proposta é reunir uma discussão acerca do épico como «imagem do mundo» que, na sua metamorfose e repetição ao longo dos séculos, deixa de ser apenas um gênero e passa a constituir um modo de pensar ligado à transmissão do repertório ideológico, imaginário e histórico (nacional), em um continuum diálogo com outros gêneros que permitem reconstruir não somente o percurso estético do próprio gênero épico, mas a sua relação estrutural e simbólica com a história, os mitos e com o pensamento iconográfico, além de evidenciar a sua importância para a formação e os impasses da criação artística e literária. 

 

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