Terça-feira, 23 de Abril de 2024
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Chamada da Revista Estação Literária para dossiê sobre o Centenário de José Saramago

Início: Fim: Data de abertura: Data de encerramento: Países: Brasil

Chamada para artigos, Literatura

Chamada para publicação

Volume 29 (jan./jul., 2022)

Dossiê Centenário de José Saramago

Prazo de submissão: 10 de abril de 2022.


Lídia, a humilde e inculta camareira de hotel em O ano da morte de Ricardo Reis, declara: “Ora, sou como sou”, e o narrador continua, “e esta frase é daquelas que não admitem réplica, cada um de nós devia saber muito bem quem é, pelo menos não nos têm faltado conselhos desde os gregos e latinos, conhece-te a ti mesmo, admiremos esta Lídia que parecer não ter dúvida.”[1] Sabemos pelo mesmo narrador que a verdade não pode ser fixada: como bom pessoano, ele assume que a verdade é relativa e com o tempo vem a ser modificada, levando-nos a crer que “toda verdade é ficção”[2], como diz outro narrador de José Saramago, em Manual de pintura e caligrafia, seu segundo romance. Neste, Saramago ainda não é quem viria a se tornar; era ainda um escritor iniciante, não em idade, já tem mais de cinquenta anos, mas que já aponta certas ideias que se mantêm e se repetem em toda a sua obra. Talvez a principal delas seja esta: que toda verdade seja ficção, que toda História é ficcional, assim como as memórias, as identidades, os sonhos.

Em sua obra, que o fez ser o primeiro — e até hoje único — em nossa língua a ser premiado com o Nobel de Literatura, Saramago nos faz questionar o significado das aparências, dos significados, dos reflexos que nós, eternos Narcisos, vemos no espelho todos os dias. Tudo isso — verdade, aparência, significados — é constituído de palavras, e estas, sempre falhas, não expressão a realidade em sua exatidão. Estaríamos, então, fadados ao vazio?

Não. Para isso, para essa lacuna trágica em nosso pensamento e linguagem, temos a literatura, que não deve buscar representar o real, “mas dizê-lo à sua maneira, num contínuo exercício de linguagem; agindo assim em simulacro ela é realidade em si mesma.”[3]. Temos, pois, “a realidade como invenção que foi, a invenção como realidade que será.”[4].

Esta chamada tem três objetivos principais. O primeiro, e mais explícito, é celebrar o centenário desse que se tornou sinônimo do experimentalismo literário em língua portuguesa no fim do século XX. O segundo, igualmente óbvio, é celebrar sua obra, sua linguagem, sua busca por uma significação e realidade que nos é inatingível. E o terceiro, que surge só quando nos debruçamos sobre suas páginas e que remete à máxima socrática já anunciada pelo narrador de O ano da morte de Ricardo Reis — “Conhece-te a ti mesmo.” — possibilitar uma maior compreensão de si e, consequentemente, do outro. Porque na vida não somos meros espectadores, não nos contentamos com o triste espetáculo do mundo, não... Nossa ânsia por significar, nosso desejo por participação, nosso medo da saída de cena. Caminhos labirínticos esses: da linguagem e dos reflexos do que somos, ambos contraditórios.

A Revista Estação Literária tem o prazer de convidar pesquisadoras e pesquisadores a se colocar diante da obra saramaguiana que, tal qual espelho, garante uma nova perspectiva do mundo e de nós, não como faz todo bom texto literário, mas principalmente pelos recursos que utiliza ao fazê-lo. Literatura intertextual, autorreferencial e crítica, sua obra marca, como Camões e Pessoa, um antes e depois da história de Portugal, um antes e depois de uma ideia de império e de nação. Que posamos navegar — sempre preciso — por “mares nunca dantes navegados” da obra desse que é um dos gigantes de nossa língua.

Ricardo Augusto de Lima

Referências:

PINHEIRO, Eula. José Saramago: tudo, provavelmente, são ficções; mas a literatura é vida. São Paulo: Musa Editora, 2012.

SARAMAGO, José. Manual de pintura e caligrafia. Lisboa: Caminho, 1985.

SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

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