Sexta-feira, 20 de Junho de 2025
Congressos

Vozes das margens: género, pós-humanismo, culturas minoritárias e visões de mundo decolonialistas

Início: Fim: Data de abertura: Data de encerramento: Países: Polónia

Chamada para trabalhos, Ciências Humanas

Vozes das margens: género, pós-humanismo, culturas minoritárias e visões de mundo decolonialistas
Universidade de Varsóvia, 27 a 29 de Outubro de 2025

Faculdade de Línguas Modernas
Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, Instituto de Estudos Franceses,
Instituto de Estudos Ingleses, Centro de Humanidades Ambientais

 

No discurso académico, várias vozes têm destacado a importância de expandir a nossa compreensão do que significa ser “humano”. Estudos fundamentais de Haraway (1985, 1991, 2016), Descola (1986, 2005, 2018), Anzaldúa (1987), Latour (1987, 1991, 2015, 2017), Braidotti (2002, 2013, 2019, 2021), Butler (2004, 2009), Heise (2008, 2016, 2017), Lugones (2008), Espinosa Miñoso (2010), Puleo (2011, 2019), Giorgi (2014) e Segarra (2022), entre outros, enfatizam a necessidade de examinar as limitações dessa abordagem. Estes estudiosos argumentam que, para refletir de forma eficaz sobre as implicações de uma concepção mais inclusiva da humanidade, é crucial integrar perspectivas inter/transculturais e interdisciplinares que não apenas reconheçam e valorizem a interdependência entre entidades humanas e não-humanas, mas também transcendam os limites da academia, ao envolver-se com conhecimentos e experiências provenientes de diferentes contextos sociais e culturais e práticas de ativismo diversas.

Diversas teorias críticas dos séculos XX e XXI – como a desconstrução, os estudos de género, os estudos pós-coloniais e decoloniais, e a teoria crítica da raça – contribuíram significativamente para desestabilizar o forte sujeito cartesiano e os fundamentos da cultura ocidental, antropocêntrica e etnocêntrica (Deleuze & Guattari, 1980; Glissant, 1981; Glissant, 1990; Braidotti, 2013). Os estudos pós-humanistas e decoloniais (Quijano, 1992; Dussel, 1996; Maldonado-Torres, 2007), juntamente com os novos materialismos filosóficos (Meillassoux, 2006; Coole & Frost, 2010; Bryant, Srnicek & Harman, 2011), fornecem pontos de partida frutíferos para uma reflexão renovada sobre o problema da subjetividade e da relacionalidade, permitindo uma exploração mais profunda das dinâmicas de poder e da agência num contexto global marcado pela interconexão de crises ecológicas, políticas e sociais.

Esta Chamada para Comunicações visa explorar e destacar as contribuições das teorias críticas feministas, pós-humanistas, descoloniais e minoritárias, bem como as suas práticas de ativismo respectivas, na desmistificação do humanismo hegemónico. Esta visão desafia as estruturas de poder que marginalizaram e minorizaram não só as mulheres e outros corpos e subjetividades não normativos, mas também as culturas indígenas, afrodescendentes e outras culturas não hegemónicas. Como argumentam teóricas como María Lugones (2008), Yuderkys Espinosa Miñoso (2010) e Françoise Vergès (2019), o feminismo pós-colonial é crucial para desmantelar a “teia de opressões” decorrente do entrelaçamento da colonialidade do poder (Quijano, 1992; Castro-Gómez, 2005) e da colonialidade do saber (Quijano, 2000), patriarcado e capitalismo global.

Além disso, os estudos interseccionais (a “marginalidade” e “visibilidade” de Crenshaw, 1991; a “performatividade de género” de Butler, 1990 1990; “lugar de fala” de Ribeiro, 2017), pós-colonial (“Queer Necropolitics”, Puar 2007, 2017; Haritaworn – Kuntsman – Posocco, 2014), queer pós-coloniais (Hawley, 2001) e feministas indígenas transnacionais (Smith, 2005; Arvin, Tuck e Morrill, 2013) permitem uma compreensão com mais nuances de como os sistemas de opressão – enraizados nas histórias coloniais, nas normas de género, na heteronormatividade e no heteropatriarcado – interagem com as crises ecológicas, as produções culturais e as subjetividades corporificadas, enriquecendo o discurso crítico ao destacar abordagens transformadoras e interseccionais das relações humanas e não-humanas e das alianças significativas entre elas.Tanto as abordagens teóricas quanto empíricas dentro do feminismo descolonial e pós-humanista defendem um exame crítico da (re)configuração dos imaginários culturais da alteridade. Elas desafiam o antropocentrismo historicamente afirmado pela marginalização e pelo desprezo. Essas abordagens propõem uma mudança de paradigma que nos convida a reconsiderar as ontologias e epistemologias humanistas, enfatizando a importância de uma ética que abranja todas as formas de vida, humanas e não-humanas. Isso coloca o sujeito pós-humano e decolonial na interseção de relações dinâmicas e dialógicas com múltiplas diferenças.

Além disso, essas perspectivas propõem uma alternativa epistemológica que reconhece e valoriza o saber situado (Haraway, 1988) proveniente de comunidades historicamente excluídas. Esse saber, corporificado em corpos racializados e feminilizados, tem sido deslegitimado pela lógica da colonialidade e da modernidade/racionalidade (Quijano, 1992), que determina a validade de certos saberes sobre outros. Como defende Lugones (2008), essa desumanização epistemológica deve ser confrontada através do “desmantelamento da colonialidade do ser e do género”.

Nesse sentido, as visões de mundo indígenas e afro-diaspóricas oferecem não apenas maneiras alternativas de ser e de saber, mas também a possibilidade de outros mundos, como sugerem Eduardo Viveiros de Castro (2010) e Arturo Escobar (2018), por meio da reinterpretação das relações com a natureza, os corpos e as comunidades. Aqui, torna-se crucial envolver-se com as visões de mundo indígenas que já propõem uma ontologia relacional, onde a vida não é dividida entre o humano e o não-humano, nem entre o que, na forma ocidental de pensar, é considerado real e sobrenatural ou espiritual. A partir da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas adotada pela ONU em 2007, essas práticas alternativas continuam a espalhar-se por diferentes cantos do mundo, tornando-se tanto um novo padrão de relações com o mundo quanto um desafio às construções político-administrativas tradicionais ocidentais (Henderson, 2008; Bird, 2011).

Reavaliações semelhantes podem ser observadas no desenvolvimento do pensamento africano e afro-diaspórico, onde os continuadores de Ngũgĩ wa Thiong’o (1986) ou Valentin-Yves Mudimbe (1988) propõem descolonizar as mentes não só dos ex-colonizados, mas também dos ex-colonizadores (Mondzain, 2020), derrubando as divisões raciais entre a Europa e a África (Miano, 2020) e valorizando formas tradicionais de convivência social africanas consistentes com o respeito pela natureza (Sarr, 2016, 2017), ao mesmo tempo que redefinem o conceito de universalismo (Diagne, 2013) e situam a África como uma fonte de novas narrativas e novos projetos sociopolíticos para o mundo (Mbembe & Sarr, 2017; Diouf, 2023). No contexto caribenho, onde as histórias das economias de plantação moldaram o pensamento e as práticas ecológicas e os movimentos de resistência oferecem imaginários ecológicos alternativos, a ecocrítica decolonial (Ferdinand, 2019) envolve-se com os legados ecológicos do colonialismo, desafiando o antropocentrismo incorporado nas epistemologias ocidentais. Nesse contexto, a abordagem trans-indígena conceituada por Allen (2012) oferece uma lente poderosa para entender a interconexão das lutas e dos saberes indígenas em contextos globais. Ao enfatizar os fundamentos epistemológicos comuns e a inteligibilidade mútua das visões de mundo indígenas, essa abordagem transcende fronteiras geográficas e culturais para destacar o ethos relacional e recíproco que sustenta as cosmologias indígenas. O pensamento trans-indígena sublinha
a resiliência e a adaptabilidade das tradições indígenas, ao mesmo tempo que fomenta o diálogo e a solidariedade entre comunidades indígenas díspares. Esse quadro não apenas aprofunda a nossa compreensão de como as ontologias indígenas desafiam os paradigmas dominantes, mas também as posiciona como fundamentais para reimaginar futuros coletivos enraizados na interdependência, no respeito pelo mundo natural e na justiça para todos os seres.

Neste sentido, Braidotti imagina a “faísca radical” dos feminismos pós-humanos e decoloniais como promotora de uma política subversiva capaz de gerar alternativas (cosmo)visões de comunidades historicamente excluídas da categoria de humano; tal política é capaz de “criar outros mundos possíveis”. Esta dimensão radicalmente transformadora baseia-se na premissa de que nenhum projeto emancipatório pode ser inteiramente controlado por uma lógica cultural dominante, que deve ser questionada. Assim, os feminismos pós-humanos e decoloniais rejeitam a noção de sujeito universal. Em vez disso, o sujeito é uma entidade excêntrica, nómada, animalística e material, onde tanto o pessoal quanto o coletivo encontram o seu lugar.

Por sua vez, a corporificação, a materialidade e a performatividade tornam-se teoricamente essenciais parao estudo do sujeito, visto que o eu é poroso e se abre para o coletivo (Langle de Paz, 2018). Essa abordagem facilita uma reconfiguração crítica das narrativas internalizadas sobre a natureza, o género e o corpo, focando nas vidas precárias e vulneráveis (não apenas orgânicas) (Butler, 2004, 2009; Heise, 2008, 2016; Benett, 2010; Giorgi, 2014; Wayar, 2019; Muñoz, 2020; Preciado, 2022; Morizot, 2020 e 2023, Krenak, 2019, 2020, 2022; Kopenawa, Albert, 2015) e numa abordagem interdisciplinar, multimodal e decolonial da criação (Vergès, Cukierman, Dambury, 2018).

Pensar com perspectivas e textos literários, teatrais e audiovisuais das culturas latino-americana, ibérica, lusófona, francófona e anglófona é crucial para a expansão das perspectivas teóricas acima delineadas, uma vez que estas culturas viveram e resistiram aos efeitos do colonialismo, eurocentrismo e dinâmicas globais de poder. Estes textos e contextos oferecem uma ampla gama de abordagens críticas e maneiras alternativas de conceber a relação entre corpos, territórios, comunidades e natureza. As literaturas e culturas desses contextos socio-culturais, atravessadas por histórias de colonização, escravidão, migração e diásporas, proporcionam espaços privilegiados para refletir sobre os limites do humanismo e o lugar dos sujeitos não hegemónicos.

Partindo desta necessidade, os grupos de investigação GENIA, OTRA(IBERIA), ELAR e o Centro de Humanidades Ambientais da Universidade de Varsóvia, “Interseções Pós-humanas nas Literaturas Irlandesa e Galega” – Universidade de Santiago de Compostela (Ref. PID2022-13625NB-100), “Narrativas de vida e memória corporificadas: subjetividade vulnerável e movimentos sociais na literatura auto/bio/graphical argentina do século XXI” – Universidade de Varsóvia (2020/39/B/HS2/02332; Centro Nacional de Ciência, Polónia), convidam à submissão de propostas para painéis e/ou comunicações individuais que interroguem as interseções pós-humanas nas literaturas e culturas latino-americana, ibérica, francófona, lusófona e anglófona produzidas a partir das margens conceptuais e/ou linguísticas.

Co-organizadores:
ADHUC (Universidade de Barcelona), CEGECAL, Centro de Estudios de Género y Cultura en América Latina (Universidade do Chile); CECRIGE, Centro de Estudos Críticos de Género e Feminismos (Universidade Ibero-Americana); Grupo de Investigação Corpo e Textualidade (Autónoma Universidade de Barcelona); CEIIBA, Centro de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos (Universidade de Toulouse-Jean Jaurès); Instituto do Ambiente e Sustentabilidade (Universidade da Califórnia Los Angeles), Laboratório ALTER, Artes, Linguagens, Transições e Relações UR 7504 (Universidade de Pau)

Temas particularmente bem-vindos:

  • Feminismo Pós-humano e Decolonial: A viragem pós-humana versus o (andro/antropo)centrismo na literatura, teatro e cinema;
  • Culturas Minoritárias e Visões de Mundo Indígenas: Ontologias, epistemologias e ativismo em contextos decoloniais;
  • O Sujeito Humanimal: Desafios conceptuais e éticos que surgem da desestabilização das categorias de espécie;
  • Autorepresentações Queer e Trans: Autoficções alternativas na cultura contemporânea.
  • Sujeitos Auto(bio)gráficos Subalternos em Diálogo com o Ativismo: Escrita de vida como um espaço de resistência;
  • Perspectivas Inter/transculturais nas Epistemologias Pós-humanas: Reflexões sobre saberes situados e o papel das culturas marginalizadas na produção de conhecimento;
  • Relacionalidade e Ontologias Não-Ocidentais: Explorações filosóficas e culturais da interdependência entre o humano e o não-humano nas visões de mundo indígenas e afro-diaspóricas;
  • Crítica ao Antropoceno e Reconfiguração da Humanidade: Descentralização do humano como força central nas crises ecológicas e dinâmicas de poder globais;
  • Representações culturais do corpo pós-humano: interseções de género, raça e tecnologia;
  • Ecocrítica e Animalidade: Crises ambientais e relações humano-não-humano das perspectivas das humanidades não hegemónicas;
  • Novo Materialismo e a Agência das Coisas: A agência dos objetos e seu papel nas relações sociais, questionando a dicotomia sujeito/objeto;
  • Conhecimento e Experiências Baseadas na Comunidade: O papel das comunidades racializadas, feminilizadas e minoritárias, bem como de diversos ativismos, na construção de alternativas epistémicas e ontológicas;
  • Política Subversiva, Movimentos Sociais e Criação de Outros Mundos Possíveis: Explorações da capacidade transformadora das margens em visões pós-humanas e decoloniais.

Línguas da Conferência: Espanhol, Inglês, Francês, Português, Catalão, Galego, Euskera

A conferência, que decorrerá de 27 a 29 de outubro de 2025 na Faculdade de Línguas Modernas da Universidade de Varsóvia, será inteiramente presencial. Convidamos pesquisadores individuais ou grupos de pesquisa a submeter propostas até 15 de maio, incluindo título, nome(s) do(s) participante(s) e respetivos títulos académicos, e-mail, instituição e um resumo de 250 palavras com bibliografia para congreso.posthumano@gmail.com. Propostas para painéis com três participantes também são bem-vindas. As comunicações individuais devem ter 20 minutos de duração. A notificação de aceitação será enviada até 30 de maio de 2025.

Coordenadores:
María Alonso Alonso, Joanna Godlewicz-Adamiec, Karolina Kumor, Katarzyna Moszczyńska-Dürst, Michał Obszyński, Paweł Piszczatowski, Justyna Włodarczyk 

Comissão Organizadora:
Aitor Arruza, Michał Bielina, Aránzazu Calderón Puerta, Ana Garrido González, Zofia Grzesiak, Marcin Kołakowski, Katarzyna Kowalska, Mariola Pietrak, Wiosna Szukała, Magda Walczuk

Secretaria:
Arnau Barios Gené, Sara Del Rossi, Jack Harrison, Patrycja Pichnicka, Alessia Vignoli, Julia Wilde

Comissão Científica:
María Baranda (Cátedra Extraordinaria Octavio Paz)
Gerardo Beltrán-Cejudo (Uniwersytet Warszawski)
Darcie Doll Castillo (Universidad de Chile)
Renata Diaz-Szmidt (Uniwersytet Warszawski)
Julia Fiedorczuk (Uniwersytet Warszawski)
Corinne Ferrero (Université de Pau et des Pays de l’Adour)
Michelle Gama Leyva (Universidad Iberoamericana)
Helena González Fernández (Universitat de Barcelona)
Gerardo Cruz-Grunerth (Boston College)
Ursula K. Heise (University of California Los Angeles)
Robert Małecki (Uniwersytet Warszawski)
Katarzyna Mikulska (Uniwersytet Warszawski)
David Miranda-Barreiro (Bangor University)
Alicia Montes (Universidad de Buenos Aires)
Manuela Palacios (Universidade de Santiago de Compostela)
Tania Pleitez Vela (Università degli Studi di Milano)
Michèle Soriano (Université Toulouse II – Jean Jaurès)
Joana Sabadell-Nieto (Hamilton College)
Marta Segarra (Centre national de la recherche scientifique)
Zoë Skoulding (Bangor University)
Meri Torras (Universitat Autónoma de Barcelona)
Judyta Zbierska-Mościcka (Uniwersytet Warszawski)

 

Imagem: Arne Müseler / www.arne-mueseler.com, CC BY-SA 3.0 DE, via Wikimedia Commons

Informação relacionada

Enviar Informação

Mapa de visitas