Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2025
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Chamada para comunicações: Colóquio internacional “Vestígios do passado nas artes e letras afro-luso-brasileiras”

Início: Fim: Data de abertura: Data de encerramento: Países: França

Chamada para trabalhos, Estudos Luso-Afro-Brasileiros

Chamada para comunicações

Colóquio internacional “Vestígios do passado nas artes e letras afro-luso-brasileiras”

6 E 7 DE NOVEMBRO DE 2025 – SORBONNE UNIVERSITÉ 

Nos últimos anos, diversas obras literárias, audiovisuais e artísticas têm abordado a relação com o passado de maneira diferente. Em vez de o tratar como um tempo ido, elas o inscrevem no presente por meio de rastros e camadas que emergem nas narrativas e outras representações. Embora muitas tramas se construam no presente, e no contexto de sua produção, elas são constantemente atravessadas pelo passado, não apenas por referências explícitas, mas também por marcas sutis que assombram personagens, lugares e dinâmicas narrativas. Esse passado ressurge então sob a forma de rastros, sejam lembranças enterradas, vestígios arquitetônicos ou traumas históricos que influenciam interações e moldam trajetórias individuais. Essa « presença do passado », segundo a formulação de Linda Hutcheon, não traduz uma busca por sentido transcendental e intemporal, nem qualquer idealização. Em vez de instaurar um «retorno nostálgico», para retomar outra fórmula de Hutcheon, trata-se de uma reavaliação crítica e de um diálogo irónico com o passado à luz do presente.Desse modo, elas interrogam o presente e questionam tanto a relação entre história e realidade quanto a relação entre realidade e linguagem (HUTCHEON, 1991: 34).

Nos filmes, romances e outras produções, o conceito de rastro abre um campo de múltiplas leituras. O rastro pode, por um lado, ser entendido como um vestígio físico, palpável — documentos, marcas de outro tempo — qaunto como uma representação de algo ausente, um vínculo estreito com a memória, como indica Ricoeur (2003: 9). Essa dimensão imaterial do rastro confere-lhe uma força evocativa profunda: remete a uma ausência que persiste, que assombra e reaparece sob formas variadas nas narrativas e representações artísticas. O rastro instala-se no enigma da presença de um ausente, no anacronismo do tempo; ao reativar uma anterioridade no presente, ele adquire outras dimensões. Para Jacques Derrida, o rastro expressa a ausência: alguém ou algo que esteve ali, mas já não está mais (DERRIDA, 2014: 24). Em Spectres de Marx, o filósofo desenvolve um conceito ontológico: o espectro é um rastro de um passado que ainda nos assombra, uma manifestação ao mesmo tempo visível e imperceptível, uma «marca além da presença e da ausência» (DERRIDA, 1993: 225). 

A presença do passado frequentemente se materializa sob a forma de ruínas, que se tornam marcadores visíveis do tempo e da história. No ensaio Le Temps en Ruines, o antropólogo Marc Augé observa que «contemplar as ruínas não é fazer uma viagem pela história, mas experimentar o tempo, o tempo puro» (AUGÉ, 2003: 38). Algumas obras se inserem na perspectiva de uma «ruinologia», em que as ruínas são vistas não apenas como testemunhas do passado, mas também como premonições de uma catástrofe iminente, uma abordagem que se inscreve na perpectiva de Walter Benjamin. Por sua vez, Ann Laura Stoler, no seu livro Imperial Debris: On Ruins and Ruination (STOLER, 2013), leva-nos a perceber como, num contexto colonial/pós-colonial, o nome «ruína» é, na verdade, um verbo, a acção de tornar ruína, arruinando.

Enquanto as ruínas materializam a persistência do passado na paisagem e na memória coletiva, os fantasmas, por sua vez, personificam uma presença mais imaterial que permeiam narrativas e imaginários artísticos. No mundo lusófono, essa presença espectral está intimamente ligada a um passado colonial que carrega vestígios da escravidão e das guerras coloniais que envolveram Portugal e suas antigas colônias africanas. Assim, Inês Nascimento Rodrigues afirma que, no âmbito dos estudos pós-coloniais, a fantasmagoria se torna uma ferramenta social e conceitual essencial para trazer à tona histórias e vozes silenciadas, permitindo uma reflexão crítica sobre as relações entre passado, presente e futuro (RODRIGUES, 2018). Mobilizando o conceito derridiano de «espectralidade», é interessante explorar a forma como certas obras trazem de volta o passado colonial «desarticulando o tempo», um passado que continua a assombrar as sociedades contemporâneas, manifestando-se como uma forma de sobrevivência, noção retomada por Georges Didi-Huberman em suas análises do crítico de arte Aby Warburg. Pesquisador e historiador da arte, Warburg propõe uma análise das camadas de imagens extremamente profundas e enraizadas no passado. Ao fazê-lo, sugere uma reflexão sobre o conceito alemão de Nachleben, isto é, de uma «vida após a morte» ou uma «sobrevivência» das imagens. Didi-Huberman ressalta que, para Warburg, as imagens «passariam a ser consideradas como aquilo que sobrevive de uma sedimentação dinâmica e antropológica, tornada parcial, virtual, porque foi [...] destruída pelo tempo» (DIDI-HUBERMAN, 2002: 41). Também usado por Marc Berdet e Gérard Dubey o conceito de «revenance» designa uma lógica fantasmagórica de «retorno» a objetos exteriores, com um efeito muito real ligado à sua presença imaginária (BERDET; DUBEY, 2017).

Este colóquio internacional propõe examinar como os rastros do passado se inscrevem nas obras audiovisuais, literárias e artísticas do universo afro-luso-brasileiro. Pretende-se analisar como rastros e vestígios, presenças espectrais e ruínas, enquanto camadas temporais e memoriais, assombram os imaginários contemporâneos e alimentam uma reflexão sobre a persistência do passado e suas ressonâncias no presente.

 

Possíveis eixos:

  1. Ruínas e vestígios: materialidades do passado nas artes e letras

  2. Figuras do retorno e fantasmagorias do passado

  3. Fantasmas do passado colonial

  4. Memórias assombradas: entre sobrevivência e apagamento

  5. Estética do rastro: dispositivos narrativos e visuais

 

Condições para submissão das propostas:

  • As comunicações devem ser originais, inéditas e podem ser redigidas e apresentadas em francês ou português.

  • O(a)s interessado(a)s poderão enviar suas propostas até dia 30 de julho de 2025 por e-mail para: vestigesdupasse2025@gmail.com. A resposta do comitê científico será comunicada até 5 de agosto.

  • As propostas devem incluir as seguintes informações: nome e afiliação institucional do(a) autor(a); biobibliografia do(a) autor(a) (máximo 150 palavras); título, eixo temático e resumo (aproximadamente 300 palavras).

  • Colóquio com participação presencial. Cada participante terá 20 minutos para sua comunicação, seguida de um tempo de debate.

 

Comitê organizador:

Alberto da Silva (Sorbonne Université)

Maria Araújo da Silva (Sorbonne Université)

Maria-Benedita Basto (Sorbonne Université)

Mireille Garcia (Sorbonne Université)

Rita Novas Miranda (Sorbonne Université)

Selma Dris (Sorbonne Université)

 

Bibliografia indicativa: 

AUGÉ, Marc, Le Temps en ruines, Paris, Galilée, 2003.

BENJAMIN, Walter, Sur le concept d’histoire, Paris, Éditions Payot & Rivages, 2013. 

BERDET, Marc; DUBEY, Gérard, «Place aux revenances !», Socio-anthropologie, n° 34, Paris, Éditions de la Sorbonne, 2017. 

DERRIDA, Jacques, Trace et archive, image et art, Bry-sur-Marne, INA Éditions, 2014. 

------------, Spectres de Marx, Paris, Galilée, 1993. 

COUDERC, Romain, L’écriture de la trace, Thèse de doctorat en Philosophie, Sorbonne Université, sous la direction de Dominique Pradelle, décembre 2021.

DIDI-HUBERMAN, Georges, Quand les images prennent position. L’œil de l’histoire, 1, Paris, Les Éditions de Minuit, 2009.

------------, Georges, L’image survivante, Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg, Paris, Éditions de Minuit, 2002.

HUTCHEON, Linda, Poética do Pós-modernismo, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1991.

HUYSSEN, Andreas, La Hantise de l’Oubli. Essais sur les résurgences du passé, Bruxelles, Éditions Kimé, 2011.

JOSEPH-VILAIN, Mélanie; MISRAHI-BARAK, Judith (org.), Postcolonial Ghosts, Montpellier, Presses universitaires de la Méditerranée, 2009. 

KOSELLECK, Reinhart, Estratos do Tempo. Estudos sobre história, Rio de Janeiro, Contraponto : PUC–Rio, 2014.

NORA, Pierre, « Entre mémoire et histoire : la problématique des lieux », NORA, Pierre (dir.), Les Lieux de mémoire, tome 1 : La République, Paris, Gallimard, 1984, p. xvi-xlii.

POLLAK, Michael, Une identité blessée. Études de sociologie et histoire, Paris, Éditions Métailié, Collection Leçons de Choses, 1993. 

RICOEUR, Paul, La Mémoire, l’histoire, l’oubli, Paris, Seuil, 2003.

RODRIGUES, Inês Nascimento, «Descolizar a fantasmagoria. Uma reflexão a partir do ‘Massacre de 1953’ em São Tomé e Prícipe», Revista Crítica de Ciências Sociais, n° 115, publié le 15 mai 2018, p. 29-50. Disponible dans http://journals.openedition.org/rccs/6954, consulté le 8 janvier 2024.

STOLER, Ann-Laura, Imperial Debris: On Ruins and Ruination, Duhram, Duke university press, 2013.

TRAVERSO, Enzo, Le passé, mode d’emploi. Histoire, mémoire, politique, Paris, La Fabrique Éditions, 2005.

VAN YPERSELE Laurence (dir.), Questions d’histoire contemporaine. Conflits, mémoires et identités, Paris, PUF, 2006.

WAHNICH, Sophie; ZAOUI, Pierre, «Présentisme et émancipation: Entretien avec François Hartog», Vacarme, n°53, 2010, p. 16-19, https://doi.org/10.3917/vaca.053.0016 consulté le 26 avril 2024.

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