Sexta-feira, 19 de Abril de 2024
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Chamada para publicação Revista TRANSLOCAL | Espaços (Des)Habitados

Início: Fim: Data de abertura: Data de encerramento: Países: Portugal, Suécia

Chamada para artigos, Ciências Humanas, Estudos Culturais

Convite à publicação

 # 5  ESPAÇOS (DES)HABITADOS 

 

Data limite para submissão de propostas:  30 nov. 2020


 

the language of space is just as different as the spoken language. Most important of all, space is one of the basic, underlying organizational systems for all living things—particularly for people.

Edward T. Hall (1990 [1966]), The Hidden Dimension.

 

 lugar para habitar [...]/  uma casa é a coisa mais séria da vida

Ruy Belo (1962), ”Quasi Flos”, O Problema da Habitação. Alguns Aspectos.

 

Pois quando arquitetamos uma casa não podemos esquecer que, nesse momento, 

estamos também a construir a cidade.

J. Tolentino de Mendonça (2020), “O que é amar um país”  


 

Com o tema de capa “Espaços (Des)Habitados”, o n.º 5 da edição online da revista Translocal. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas, coeditado em colaboração com o Departamento de Estudos de Linguagem da Universidade de Umeå (Suécia), convida à submissão de propostas de ensaios visuais,  ensaios escritos, artigos e  recensões críticas de trabalhos que, de algum modo, contribuam para a revis(itaç)ão crítica de um campo de reflexão que toma por eixos os conceitos e as experiências que nesse tema se manifestam: habitar/desabitar; espaço habitado/espaço desabitado. 

Esta temática foi definida pela coordenação do n.º 5 da revista no inverno 2019, quando nada nos fazia prever que, um ano depois, a pertinência da reflexão sobre ela passaria pelos inúmeros desafios decorrentes da crise pandémica causada pela COVID-19. À data, outras eram as questões cuja análise se nos afigurava urgente: (1) a gentrificação e a turistificação de lugares históricos e ambientalmente protegidos; (2) os movimentos de ocupação de espaços desabitados; (3) o desenraizamento territorial ou o enraizamento intermitente, ambos decorrentes da mobilidade humana e cultural em massa, ora fomentada pelo desenvolvimento tecnológico e pela globalização da economia, ora determinada pela guerra, pela miséria e pela fome; (4) novas (?) formas de ruralização ou de desruralização de regiões com histórias de desertificação populacional, processos movidos pela contínua sedução do dinamismo económico e sociocultural das cidades, mas também, em sentido contrário, pela procura de formas alternativas e ambientalmente mais sustentáveis de re-habitação de territórios quase desabitados; (5) alterações climáticas, catástrofes, processos de realojamento e de regeneração; e, entre outras, (6) a habitação do espaço pela arte e a arte como espaço habitado. 

Estes são, portanto, alguns dos tópicos que o n.º 5 da Revista TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas propõe à reflexão crítica, teórico-conceptual e artística, no presente convite à publicação.

Seguindo a proposta de Martin Heidegger, apresentada em 1951 na seminal conferência “Bauen, Wohnen, Denken” (Construir, Habitar, Pensar), consideramos que a reflexão sobre o (des)habitar e os espaços (des)habitados exige um enfoque pluridisciplinar, que não se centre exclusivamente nos problemas técnicos e matemáticos da Arquitetura e da construção material de alojamentos, mas também nos sujeitos habitantes (humanos e não-humanos) e nas complexas dinâmicas que fazem, desfazem e refazem o habitar. É certo que, então, as interrogações de Heidegger decorriam de um contexto igualmente crítico, mas distinto do atual, incidindo sobre o habitar de uma população mundial que, desde a industrialização fomentada no século XIX, se encontrava em forte crescimento e cujas vidas estavam sujeitas a um acelerado processo de urbanização - ou de desruralização, como lhe preferiu chamar Álvaro Domingues (2012). Uma dinâmica que, até hoje, alterou significativamente a relação humana com o território e que (também por isto) passou a estar sujeita quer a medidas biopolíticas que condicionam hábitos e formas de habitar e que se apresentam como supostas garantias de saúde pública e do bem-estar das populações (BRUNTON, 2014); quer a modelos de política socioeconómica que, em palavras de  Henri Lefebvre (1968), podem colocar em causa, para o bem ou para o mal, o direito à cidade por parte dos cidadãos que a habitam.

Na verdade, em “Construir, Habitar, Pensar”, Heidegger estendia a discussão em torno do habitar à Filosofia, abrindo-a também a áreas como a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a Ecologia, os Estudos de Cultura, as Ciências da Linguagem, os Estudos Políticos, entre outras áreas (trans)disciplinares que convocamos para a presente edição da TRANSLOCAL. De igual forma, aproximava-a também da reconceptualização de Espaço como realidade multidimensional e relacional, que a segunda metade do século XX veria afirmar-se no pensamento contemporâneo (LEFEBVRE, 1974; TUAN, 1977). Argumentando que “só é possível habitar o que se constrói” e que construir não se limita à edificação física de equipamentos residenciais, Heidegger demonstrava quão implicados no processo de habitar se encontravam fatores de ordem ideológica, epistemológica, afetiva e psicológica, sociocultural e política. Antecipava, assim, conceções que mais recentemente têm vindo a ser sustentadas: a do espaço habitado como construção social não homogénea, determinada por factores como o tempo histórico, valores culturais e processos de (auto)representação (SEGAUD, 2010); a do espaço habitado como anti-paisagem, tornado inabitável ora por políticas urbanas que assim o constroem, ora pelo impacto de desastres ambientais (Nye, 2014).

Por sua vez, em 1967, Michel Foucault, pensando as heterotopias, sublinhava como “l’époque actuelle serait peut-être plutôt l’époque de l’espace”, acrescentando que a inquietude daqui decorrente resultaria, talvez, do facto de que “notre vie est-elle encore commandée par un certain nombre d’oppositions auxquelles on ne peut pas toucher, auxquelles l’institution et la pratique n’ont pas encore osé porter atteinte” (FOUCAULT, 1984). Oposições tantas vezes tomadas como dados adquiridos e realidades inquestionáveis, mas cuja frágil validade, a COVID-19 veio eloquentemente exibir: “des oppositions [...] entre l’espace privé et l’espace public, entre l’espace de la famille et l’espace social, entre l’espace culturel et l’espace utile, entre l’espace de loisirs et l’espace de travail; toutes sont animées encore par une sourde sacralisation” (FOUCAULT, 1984). 

Até que ponto a sacralização dessas oposições tem em consideração as efetivas dinâmicas que hoje subjazem à produção de espaços habitados e/ou contribui para a deteção e resolução de problemas e desafios que os enformam?

Ainda a respeito do impacto da COVID-19 no mundo contemporâneo, Carlos Fortuna nota que as medidas sanitárias de isolamento social e de confinamento físico doméstico colocaram “a cidade [...] em suspenso”, alterando as dinâmicas urbanas (FORTUNA, 2020). Esta suspensão transformou violentamente as paisagens de cidades e localidades: as paisagens exteriores e de espaços públicos, agora despidos das vozes e dos corpos que antes as povoavam, ou estranhamente repovoados por vozes e corpos isolados atrás de máscaras e obrigados ou aconselhados à distância social, nem sempre possível; mas também as paisagens mais íntimas e familiares, expostas/invadidas pelo ruído de vozes mais ou menos estranhas e pelo simulacro virtual de corpos intangíveis, num processo já antes sobejamente experienciado nas sociedades contemporâneas, mas agora intensificado e tornado inevitável. Portanto, espaços urbanos exteriores e interiores que implicaram a re-invenção de formas alternativas de o serem, de os habitar e de os imaginar, relativamente às que antes pareciam inquestionáveis e que, também agora, merecem ser interrogadas. Na verdade, a pandemia também iluminou desigualdades sociais e ambientais tanto nas formas de convivência com o vírus, como no acesso ao tratamento e a medidas sociais de prevenção do contágio; mostrou como formas distintas de habitar decorrem dessas assimetrias que convivem num mesmo território, determinando maiores ou menores vulnerabilidades ao risco de não sobrevivência.

Assim, aos tópicos já acima enunciados neste convite à reflexão/publicação, acrescentamos, a título indicativo, outras questões:

a) O que significa habitar (desabitar e reabitar) um espaço na contemporaneidade (pré-COVID e pós-COVID)? O que será (no presente, no passado e no futuro) um espaço habitado e um espaço desabitado?

b) Que problemas, que desafios e/ou que oportunidades são hoje colocados quando se habita, desabita e/ou reabita um espaço?

c) Quem pode e como se pode habitar espaços virulentos ou higienizados?

d) Em que medida, a análise crítica de modos de habitar contemporâneos, mais convencionais ou mais inusitados e alternativos, nos permite aferir da universalidade e da validade da “sourde sacralisation” a que se reportava Foucault?

e) Em que medida, formas de habitar emergentes se distanciam ou aproximam de modelos de habitar anteriores ou esquecidos/ignorados?

f) Poderá uma crise pandémica constituir uma oportunidade para criar formas de habitar o mundo mais sustentáveis e justas do ponto de vista ecossociocultural?

Por se tratar de uma edição cuja coordenação resulta da cooperação de instituições localizadas na Ilha da Madeira (território insular atlântico, europeu, mas fronteiriço à costa norte-ocidental de África e apenas habitado de forma continuada a partir do século XV, sob administração portuguesa) e em Umeå (cidade sueca do Ártico, situada no território transnacional Sámi que se estende entre Suécia, Noruega, Finlândia e Rússia, habitado por ancestrais comunidades indígenas nómadas), o n.º 5 da revista TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas acolherá com especial interesse trabalhos que analisem e reflitam criticamente sobre as especificidades do habitar nesses territórios e as implicações políticas, culturais, socioeconómicas, psicossociais e ecológicas que decorrem quer dessas dinâmicas de habitação, quer do modo como, na génese das suas comunidades, se produziram esses espaços habitados. 

Assim, acolher-se-ão com interesse, propostas de ensaios, artigos, trabalhos artísticos em formato de ensaios visuais/audiovisuais (até 5 imagens ou vídeo + texto complementar até 1000 palavras) que abordem (não exclusivamente) tópicos e questões que acima fomos destacando. 

Aceitar-se-ão trabalhos inéditos em várias línguas: Castelhano, Inglês, Português, Sámi e Sueco.

Os trabalhos propostas deverão ser enviados até 31 de novembro de 2020, para a coordenação do n.º 5 (translocal.revista@mail.uma.ptnuno.marques@umu.se), incluindo também os seguintes elementos:

  • um resumo da proposta submetida, na língua adotada no trabalho e em inglês (até 200 palavras);

  • nome do(s) autor(es) e uma breve nota curricular (até 100 palavras).

Todos os trabalhos propostos serão sujeitos a uma avaliação segundo o modelo de avaliação cega por pares. Até 20 de dezembro de 2020, a coordenação do n.º 5 da revista informará os autores das propostas que forem aceites, procedendo-se depois ao processo de paginação e revisão dos textos selecionados para publicação.

Normas de edição aqui.

 

Referências:

* BRUNTON, Deborah (2014), Health and Wellness in the 19th Century, Santa Barbara/Denver/Oxford: Greenwood.

* CRESSWELL, Tim (2004), Place: a short introduction, Malden/Oxford/Victoria: Blackwell Publishing.

* DOMINGUES, Álvaro (2012), A vida no campo, Porto: Dafne Editora.

* FORTUNA, Carlos (2020), “A Cidade Desalmada” [working paper de discussão], Academia.edu. Disponível em: https://www.academia.edu/42343839/A_Cidade_Desalmada_2020 [acesso em 30.03.2020]

* FOUCAULT, Michel (1984) [1967], “Des espaces autres. Hétérotopies”, Architecture, Mouvement, Continuité, no 5: 46-49. Disponível em https://foucault.info/documents/heterotopia/foucault. heteroTopia.fr/ (acesso em 14.09.2019)

* HALL, Edward T. (1990) [1966], The Hidden Dimension, New York/Toronto: Anchor Books.

* HEIDDEGER, Martin (s.d.) [1951/1954], “Construir, Habitar, Pensar”, trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback , FAU-USP. Disponível em http://www.fau.usp.br/wp-content/uploads/2016/12/heidegger_construir_habi tar_pensar.pdf [acesso em 25.08..2019].

* LEFEBVRE, Henri (2011) [1968], O direito à cidade, trad. Rubens Eduardo Frias, São Paulo: Centauro.

* LEFEBVRE, Henri (1991 [1974]), The production of space, Oxford/Malden: Blackwell.

* SEGAUD, Marion (2010), Anthropologie de l’Espace. Habiter, Fonder, Distribuer, Transformer, Malakoff: Armand Colin. 

* TUAN, Yi-Fu (2001 [1977]), Space & Place. The Perspective of Experience, Minneapolis/London: University of Minnesota Press.

 

Ana Salgueiro e Nuno Marques

Funchal e Umeå  |  junho de 2020.

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