Quinta-feira, 18 de Abril de 2024
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Chamada para artigos da revista Terra Brasilis: Geografia crítica no Brasil

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Chamada para artigos, Ciências Humanas, Estudos Brasileiros, Geografia

Geografia crítica no Brasil: história e implicações no campo disciplinar

Chamada de artigos para dossiê temático da Terra Brasilis nº 12 - 2020

 

Em Fortaleza, no ano de 1978, ocorria um Encontro Nacional de Geógrafos que destoou de seus congêneres. Basta folhearmos as páginas escritas sobre a história da geografia no Brasil, ou história da geografia brasileira (como alguns preferem chamar), e não tardaremos a reconhecer que o referido evento da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) foi eleito como marco de uma ruptura disciplinar no campo da geografia. O evento marca a ascensão da então denominada “Geografia Crítica”.

Esta proposta tinha por objetivo denunciar o caráter apolítico ou reacionário, sobretudo da “geografia tradicional” e “nova geografia”, além de propor novas agendas de pesquisa, formas de pensar as questões epistemológicas, a prática dos geógrafos e uma maneira particular de contar a própria história da geografia. Tanto o evento de 1978 quanto outras iniciativas localizadas, como o projeto editorial “Seleção de Textos” da AGB-São Paulo, a tradução “caseira” do Yves Lacoste que circulou no Brasil antes de 1978, os trabalhos de Nelson Sodré (1976) e Manuel Correia de Andrade (1977), além do retorno aos clássicos do pensamento marxiano e marxista, são algumas expressões da aproximação entre a geografia feita no Brasil com várias correntes do marxismo e, em menor grau, do anarquismo. Ganhava forma, então, uma geografia engajada, interessada nos problemas sociais e inspirada numa tradição de pensamento que já havia adquirido contorno em vários campos das ciências sociais.

Embora tenham sido produzidos alguns balanços críticos ou memoriais acerca do evento de 1978 e da geografia crítica, com destaque para o número 88 do Boletim Paulista (que celebrava os 30 anos do evento) e para o colóquio “40 anos da Geografia Crítica: sua atualidade na Geografia Humana da FFLCH/USP”, não seria incorreto afirmar que estas iniciativas são concentradas em São Paulo e, em particular, na Universidade de São Paulo. Esse fato é, em si mesmo, passível de escrutínio historiográfico. Passados 41 anos desde o Encontro Nacional de Geógrafos ocorrido na cidade de Fortaleza, parece-nos que ainda há o que debater em uma avaliação matizada das múltiplas vozes e pontos de vista que consolidaram a geografia crítica no Brasil. Não obstante, também é tempo de abandonar visões puramente memorialistas e triunfalistas do passado disciplinar, ou seja, narrativas históricas que apregoam unicamente ganhos ou perdas.

Como demonstrou Jacoby (1990), a geografia crítica nos Estados Unidos tem sua gênese associada ao questionamento da posição da universidade na sociedade, das regras acadêmicas e do modus operandi da geografia estabelecida até então, mas que acabou por se institucionalizar e acatar as práticas e normas universitárias que anteriormente eram o objeto de sua crítica fundamental. Tal processo foi descrito por Jacoby (1990) como “institucionalização pela porta dos fundos”; há, nesse aspecto, a possibilidade de comparar os processos de desenvolvimento e consolidação da geografia crítica no Brasil e nos Estados Unidos, bem como de outras conexões e circuitos internacionais.

Do ponto de vista contextual, no ano de 1978, a ditadura militar no Brasil se encontrava em processo gradual de distensão política, que culminaria posteriormente na redemocratização de 1985. Ao longo da década de 1990, ocorreram profundas mudanças na organização do campo científico e, em particular, no campo geográfico. Entre tais mudanças, ressalte-se a ampliação dos cursos de graduação e pós-graduação. A geração de geógrafos críticos foi absorvida, em grande parte, pelos cargos universitários gerados nas políticas nacionais da educação superior dos anos 1990; alguns desses geógrafos, inclusive, participaram das políticas de gestão acadêmica em nível nacional.

A voga da geografia crítica também foi impulsionada por professores de ensino básico e médio, tanto na incorporação de novos temas no ensino (luta de classes, geopolítica, geografia econômica e tantos outros) como no remodelamento dos materiais didáticos, que logo começaram a ser comercializados por grandes grupos editoriais e se tornaram objetos de políticas educacionais. Em contrapartida, no ano de 1987, foi criado o “Encontro Nacional de Ensino de Geografia: Fala Professor”, que ocorre em paralelo com o “Encontro Nacional de Geografia” desde então, ambos organizados pela AGB. Resta-nos discutir se tal postura distintiva entre “geografia acadêmica” e “ensino de geografia” contribuiu para o aprofundamento do fosso entre os cursos das modalidades de bacharelado e licenciatura.

Enquanto no Brasil e na América Latina existe uma tendência de reforçar a tradição marxista, a geografia crítica em outros lugares se aproximou dos debates pós-modernos e pós-estruturalistas. Talvez a expressão mais precoce e explícita dessa aproximação seja o livro “Geografias pós-modernas” (Soja, 1989), com tradução publicada no Brasil em 1993. Cabe mencionar, como uma reação à incorporação das tendências pós-modernas e o objetivo de revalorizar o marxismo sob condições nada ortodoxas, um dos livros mais conhecidos e citados de David Harvey nas ciências sociais: “Condição Pós-Moderna” (Harvey, 1989) – com a primeira edição brasileira datada de 1992. Apesar de algumas vozes dissonantes, a hegemonia do marxismo estruturalista na geografia crítica dos Estados Unidos caminhou progressivamente em direção ao pós-estruturalismo (Peet, 1998), tendência que se observa também no campo geográfico brasileiro.

O objetivo desta chamada é reunir artigos inéditos que elucidem a história da geografia crítica, preferencialmente da brasileira, mas não exclusivamente. A formação do campo, instituições e práticas de ensino e pesquisa, trajetórias individuais, projetos editoriais, circulação de materiais e histórias cruzadas, diálogos disciplinares e outras diversas problemáticas podem orientar os artigos. Num esforço de ordenar esta multiplicidade temática em eixos, o dossiê contemplará:

  1. A formação do campo da geografia crítica brasileira a partir de seus atores: modos de leitura; recepção de autores, ideias e práticas; debates e controvérsias.

  2. As trajetórias de geógrafos críticos: o envolvimento de geógrafos com abordagens críticas antes e depois de 1978.

  3. Geógrafos críticos no Brasil e no mundo: histórias cruzadas de geógrafos na América Latina e outros trânsitos internacionais.

  4. O desenvolvimento da geografia crítica e as instituições de ensino e pesquisa: o papel das universidades, da Associação dos Geógrafos Brasileiros e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e outras Associações.

  5. Projetos editoriais da geografia crítica: produção e circulação de materiais escolares e universitários (boletins universitários, publicações da AGB, entre outros).

  6. Inspirações teórico-metodológicas plurais e diálogo transdisciplinar: a ciência geográfica entre estruturalismo e pós-estruturalismo.

  7. Olhar para o passado: narrativas disciplinares e escrita da história da geografia.

  8. Geografia crítica e ensino de geografia: pressupostos, materiais e práticas pedagógicas.

As normas técnicas para a submissão estão disponíveis no site da Revista Terra Brasilis (<https://journals.openedition.org/terrabrasilis/3441>).

As submissões deverão ser enviadas, até o dia 27 de abril de 2020, para <terrabrasilis@redebrasilis.net>, com o título “Dossiê Geografia Crítica + Sobrenome do autor” no assunto do e-mail.

 

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