Quinta-feira, 25 de Abril de 2024
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Chamada de artigos: Pluralidades Religiosas e Subjectivação nas Sociedades Lusófonas

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Chamada para artigos, Ciências Humanas e Sociais, Estudos Lusófonos

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Lusotopie XX 2021-1

Pluralidades Religiosas e Subjectivação nas Sociedades Lusófonas

Coordenação
Christophe Pons Pons (UMR IDEMEC - CNRS & Aix-Marseille Université)

 

Como as sociedades de língua portuguesa, especialmente as do "triângulo atlântico" (África-Europa-América), articulam a pluralidade religiosa e a subjetivação política? Sugere-se que, em relação a esta questão, as sociedades do mundo lusófono apresentam duas características específicas que as tornam espaços favoráveis para observação e análise. 

Inicialmente, quanto ao primeiro ponto, são sociedades nas quais coexistem hoje religiões e denominações muito diversas, que, no entanto, são reconhecidas como legítimas. Esta pluralidade, que acompanha e gera políticas específicas, tem uma história própria, diferente daquelas observadas em outros lugares, particularmente na Europa ou na América do Norte. Na verdade, trata-se de um pluralismo religioso que não é apenas monoteísta, tendo dado lugar ao esoterismo moderno e aos novos panteísmos; não decorre estritamente da secularização - como muitas vezes acontece na Europa católica - nem está ligado a uma história de despertares ascéticos que teriam levado, como no Protestantismo norte-americano, a uma postura tolerante de abertura à pluralidade religiosa. Pelo contrário, essa pluralidade enraizou-se no terreno fértil de uma matriz católica fortemente dominante, mesmo que não conciliadora, mas extremamente rivalizada e rearranjada a ponto de produzir formas religiosas originais. Consequentemente, as políticas de pluralidade religiosa na língua lusófona apresentam variações surpreendentes, tanto historicamente como no presente, que vão da não–intervenção ou tolerância até a repressão, do proselitismo à devoção clandestina, praticada longe de olhares indiscretos. 

A seguir, quanto à segunda abordagem da questão, as sociedades lusófonas apresentam outra característica, que é a de nunca terem abandonado, em seu horizonte de pensamento uma concepção do Sujeito-agido, que pode ter a experiência fenomenológica de ser outro. Pois se, na "matriz ontológica naturalista ocidental", ser outro é  sobretudo pensado nos termos subtrativos de uma "perda de si" ou uma "ausência de si" (Wieworka 2012; Le Breton 2015), em vez disso, na lusofonia, em que a possibilidade de "ser vários" tem sido aceita por muito tempo, ser outro é conceituado em um modo aditivo. François Laplantine (1994) já falava disso nesses termos quando viu na Euro-Afro-América mundos marcados pela pluralidade, pela história transatlântica de deslocamento, adição, duplicação e transformação de si mesmo. E Laplantine tomava Fernando Pessoa como uma figura paradigmática dessa constituição; seguindo o exemplo do "escritor médium" que preferia falar de “agentes heterônimos” em vez de “espíritos” - mas que confessava "ser vários" (Pizzaro e Ferrari 2016) - os mundos lusófonos seriam sociedades onde se desdobra facilmente uma dupla experiência fenomenológica de "estar no mundo"; aquela de ser um sujeito pensante, livre e agentivo de si mesmo; e a de não sê-lo de modo algum, ou não totalmente, o que muitas vezes resulta em uma sensação perturbadora de alteridade e de pluralidade interior. 

Nos últimos anos, inúmeros trabalhos em sociologia religiosa, história política e antropologia social, voltaram a olhar para questões de subjetivação aplicadas ao campo religioso. Na maioria das vezes, esses estudos fazem um uso chamado "moderno" do conceito de "subjetividade" ao considerar "o sujeito pensante", ou seja, o homem enquanto sujeito e agente do pensamento. Aplicam assim uma concepção agora clássica da teoria do sujeito segundo a qual, com Michel Foucault (2001), afirma-se que sujeito e agência tornaram-se recentemente sinônimos, e deram origem ao homem político (Mahmood 2005). Contudo, esta perspectiva das subjetividades agentivas não é, de modo algum, exclusiva; a filosofia das concepções antropológicas do homem (Descombes 2014) questiona em particular esta historicidade recente da criação do sujeito-agente, bem como sua identidade. Em primeiro lugar, o sujeito-agente do pensamento não seria uma criação moderna, nem um conceito psicológico recente, nem mesmo uma invenção de Descartes, mas testemunharia de uma história muito mais antiga, presente desde a Antiguidade tardia, no diálogo entre a teologia e a filosofia (de Libera 2007). A seguir, como lembrou, por sua vez, Claude Lévi-Strauss a partir do Brasil (1973), o agente do processo do pensamento poderia indistintamente ser um "eu" ou um "ele", ou seja, possivelmente um sujeito distinto externo, o que torna possível reconsiderar uma outra política, a das "subjetividades agidas", o que Friedrich Nietzche indicava,  quando dizia "que um pensamento se apresenta quando 'ele' quer, e não quando 'eu' quero (...)" (1887). 

É à luz dessa outra perspectiva política das "subjetividades agidas", geralmente pouco exploradas pelas ciências sociais atuais, que os mundos lusófonos podem parecer lugares propícios de estudo; evidentemente, não porque haja nessas sociedades uma especificidade que não pode ser encontrada em outro lugar, mas sim - e mais simplesmente - porque a pluralidade de experiências religiosas encontra no seu seio gestões políticas plurais que atestam uma tensão estruturante. Uma tensão estruturante entre, por um lado, um movimento de fabricação de Sujeitos-Agentes que se apropriam da lei divina como uma questão de uso e de auto-formatação - ou mesmo se libertam - como "Sujeitos com Deus" (Keane 2007); mas também, por outro lado, um movimento de Sujeitos-Agidos, tomados e seduzidos, que se conformam com a Lei num desejo voluntário de "submissão" ética e que desenvolvem uma performance de devir outros, como "Sujeitos de Deus". A questão é, portanto, extremamente política, seja a nível individual dos Sujeitos moldados, quanto a nível das instituições sob tensão, dos regimes divinos e espirituais que coabitam, das moralidades e usos políticos efetivos, inclusive nas urnas eleitorais.

Para documentar este tema da pluralidade religiosa e das políticas subjetivas na lusofonia, todos os contextos que atestam a tensão estruturante acima mencionada poderão ser observados sem objeção. É o caso, por exemplo, do catolicismo e seus usos políticos, ao longo da história e na atualidade, seja nas aparições marianas, no lugar dado aos santos ou a qualquer figura temporal ou espiritual que tenha ocupado um papel de social, moral e politico. Poderemos, assim, considerar as práticas de devoções populares que, instituídas ou clandestinas, testemunham a tensão entre o apego ao catolicismo e sua contestação; e até mesmo este persistente fundo paradoxal que combina, simultaneamente, um anticlericalismo e um respeito leal à instituição. Nesta vertente, portanto, interessa-nos igualmente a análise de correntes dissidentes, esotéricas ou não, e de práticas associadas a figuras não-oficiais, "recuperadas" pelo uso ou claramente "ilícitas", que se disseminam na história das devoções populares, frequentemente em papéis terapêuticos e profiláticos. Além disso, a possibilidade de "ser outro" nem sempre é considerada vantajosamente, mas também reflete um medo de ser agido, motivo este recorrente de frequentação oportuna em lugares de culto, espaços de devoção, cura e desenfeitiçamento. Pois a lógica da possessão e do embruxamento, que não é estranha à hipótese de ser outro, não tem, portanto, nada de exotismo. Pelo contrário, ela está presente em toda parte, presumindo-se que seja possível não sermos estritamente o único sujeito-agente do pensamento; em suma, quer dizer que em seu princípio teórico, está presente em todo triângulo atlântico. Inevitavelmente, a dupla perspectiva de análise proposta encontra um eco particularmente evidente com o amplo conjunto das religiões ditas "mediúnicas" que, há muito tempo, ocuparam um lugar de singular destaque nas sociedades de lusófonas. Convém aqui não circunscrever os estudos, mas, ao contrário, arejá-los, pensá-los conjuntamente, do espiritismo branco ao candomblé negro, passando pelo cristianismo e a pluralidade de suas oscilações. Pois, efetivamente, é de um continuum euro-africano-americano de que estamos falando, historicamente, é claro, mas também na atualidade. Se pensamos imediatamente no Brasil ao falarmos em mediunidade, não podemos ocultar o passado e a origem europeia dessas experiências fenomenológicas que se difundiram  em outros lugares. Da mesma forma, devemos observar o dinamismo transnacional das religiões afro-brasileiras, que atualmente encontram uma significativa "ascensão" na Europa (especialmente Portugal, Espanha, França, Itália...), cujo sucesso reside na capacidade de tornar acessível (e consubstancial) um mundo espiritual que confere aos crentes uma agentividade outra. 

Mais amplamente, o espiritismo e seus avatares efetuam também eles, um retorno de sua influência ao se espalharem para além do mundo lusófono, o que atesta uma acessibilidade cada vez mais legítima ao reconhecimento das duas modalidades fenomenológicas de experiência. Para estar convencido disso, basta considerar a importância na Europa de hoje das diversas formas de recurso a terapias alternativas que postulam, como princípio duplo, tanto a ontologia do Self como substância, quanto o relacionalismo espiritual pelo qual se explica que o que acontece aqui abaixo está ligado aos aléns não-temporais. Pensamos nos diversos espiritualismos da "Nova Era", como o neo-xamanismo, o neo-budismo meditativo, o reiki, o constelacionismo familiar e transpessoal, mas também o espiritismo médico, que gradativamente reforça sua ancoragem nas profissões da saúde (psiquiatria, psicoterapias, apoio e cuidados paliativos em hospitais, etc.). Poderemos também acrescentar as igrejas neo-protestantes, especialmente as neo-pentecostais, que, sobre o mesmo princípio duplo (substancialismo e relacionalismo) respondem às demandas de apoio e cura, abrindo centros de ajuda espiritual em um número crescente de bairros de cidades de língua portuguesa. 

A ambição deste número da revista Lusotopie, portanto, é de ampliar as entradas possíveis desta análise, documentando-a extensivamente, sem jamais abdicar de pensar simultaneamente a experiência de ser outro com a de ser actante de si, como um fio condutor localmente significante de contextos lusófonos, de suas economias, políticas e histórias. 

[Tradução Claudia Turra Magni, Departamento de Antropologia e Arqueologia / Universidade Federal de Pelotas; LEPPAIS - Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do Som - Chercheuse invitée à l'IDEMEC / CNRS & Aix-Marseille Université]

As propostas de artigos (500 palavras) deverão ser enviadas até 15 de Junho de 2020 christophe.pons@idemec.cnrs.fr.
Se o resumo for selecionado, os artigos completos são esperados para o 30 de Setembro de 2020.
A revista aceita artigos em três línguas: francês, português e inglês.

Site da revista: https://brill.com/view/journals/luso/luso-overview.xml

Fonte: H-Net

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