Quinta-feira, 28 de Março de 2024
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Cabo-verdiano: variação linguística e políticas linguísticas

Início: Países: Macau

Língua, Linguística

A 5ª. sessão de palestras convidadas da série Variedades de Português e Línguas de Contacto de Base Portuguesa ao Redor do Mundo, iniciada pelo Centro de Investigação para Estudos Luso-Asiáticos (CIELA) em 2021 contará com duas apresentações tendo como foco a língua crioula cabo-verdiana e a variedade emergente de português em Cabo Verde. As oradoras convidas são as Professoras Doutoras Nélia Alexandre e Fernanda Pratas, da Faculdade de Letras, Centro de Linguística (CLUL), Universidade de Lisboa.

A ligação por ZOOM tem acesso aberto a todos os interessados e encontra-se igualmente mencionada no cartaz do evento:

https://umac.zoom.us/j/97470532547

RESUMOS

Nélia Alexandre (Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Linguística)

‘Entre o Cabo-verdiano e o Português: efeitos do contacto’

Em todos os países africanos em que o Português é a língua oficial (conhecidos por PALOP), esta língua convive com outras, nomeadamente, com as crioulas ou bantas. A forma como a ocupação desses territórios foi feita e o tipo de contacto entre as línguas em presença condicionou o aparecimento de novas línguas (as crioulas) e/ou de novas variedades do Português (cf. Hagemeijer, 2016; Gonçalves, 2016; Lopes, 2011 e 2018; Alexandre & Swolkien, no prelo).

Em Cabo Verde, encontramos um cenário sociolinguístico único no contexto dos

PALOP. Por um lado, a comunidade de fala tem apenas duas línguas em presença: a cabo-verdiana e a portuguesa. Por outro, o Português autóctone – cabo-verdiano – é uma variedade emergente (ainda não nativizada, ao contrário do que já se verifica, por exemplo, em São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique – cf. Gonçalves, 2016 e Hagemeijer, 2016).

Nesta comunicação, apresentar-se-á a história da política linguística de Cabo Verde, a situação linguística contemporânea do país (com diglossia modal ou bilinguismo) e algumas propriedades linguísticas que começam a modelar a variedade emergente do Português cabo-verdiano (em concreto, ao nível fonético, morfossintático e lexical).

Pretende-se mostrar, assim, que a relação atual entre o Cabo-verdiano e o Português é extremamente dinâmica e que deve ser politicamente apoiada.

Referências:

Alexandre, N. & Swolkien, D. (no prelo). Cape Verde. In U. Reutner (ed.). Manual of Romance Languages in Africa. Chapter 21. Berlin: Mouton de Gruyter.

Gonçalves, R. (2016). Construções ditransitivas no Português de São Tomé. Diss. Doutoramento. Lisboa: Universidade de Lisboa.

Hagemeijer, T. (2016). O português em contacto em África. In A. M. Martins & E. Carrilho (eds.), Manual de Linguística Portuguesa. Berlin, New York: Mouton de Gruyter, 43-67.

Lopes, A. (2011). As Línguas de Cabo Verde: uma radiografia sociolinguística. Diss. Doutoramento, Lisboa: Univ. Lisboa.

____ (2018). Cape Verde: Poritraying a Speech Community. In L. Álvarez; P. Gonçalves & J. Avelar (eds.). The Portuguese Language Continuum in Africa and Brazil, 135-168, Amsterdam: John Benjamins.

 

Fernanda Pratas (Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Linguística)

O ‘passado’ que não aconteceu: 

pistas do cabo-verdiano para as noções de tempo na mente humana

Em cabo-verdiano, os morfemas temporais -ba (sufixo verbal, mais usado nas variedades do sul de Cabo Verde) e tava (morfema pré-verbal, mais usado nas variedades do norte) surgem frequentemente associados a valores de passado, no sentido definido em Klein (1994): o Topic Time localiza-se antes do Time of Utterance (Pratas 2010, 2014). Verificamos isto no caso de habituais ou progressivos no passado. O mais intrigante, no entanto, é que ambos surgem também em construções sem uma interpretação de passado, em contextos tradicionalmente analisados como modais para outras línguas – ou seja, assume-se que têm aqui um significado diferente. Note-se que estes usos de uma certa morfologia temporal de passado são de facto comuns a muitas línguas do mundo (Bybee et al 1994). Em português, por exemplo, observamos uma distribuição idêntica da morfologia de pretérito imperfeito: ‘Eu dantes andava muito de bicicleta’ (passado); ‘Se eu ganhasse a lotaria, fundava um abrigo para animais’ (não passado) – em de Paula (2020), encontramos uma excelente sistematização das diversas interpretações do pretérito imperfeito em português, mantendo a tradicional separação entre as leituras temporais e modais.

A minha mais recente proposta integrada para todos os usos daqueles morfemas nas variedades linguísticas de cabo-verdiano é a de que estes morfemas nunca denotam um valor de passado no sentido estrito (para estes, temos outras formas não ambíguas, como as que correspondem ao Perfeito; Pratas 2012, 2018). O que eles expressam, sempre, é a baixa acessibilidade temporal de certas situações, observadas do ponto de vista do falante – seja ela real ou simulada, por diversas razões (Pratas 2021a,b).

Estes e outros fenómenos de marcação temporal em cabo-verdiano estão em estudo no meu novo projeto ANDANTE: Human concepts of time: a view from natural language, com o objetivo de, também com atenção a trabalhos nas áreas da neurociência, da antropologia e dos estudos literários e de tradução, contribuir para uma área de investigação que atualmente conhece grande vitalidade internacional: a que liga os estudos da linguagem humana e a filosofia (veja-se, entre muitos outros, o novíssimo Altschuler 2022).

Nesta comunicação, estes casos do cabo-verdiano serão apresentados e discutidos num contexto de trabalho em desenvolvimento, e ilustrados com dados orais do corpus LUDViC (Pratas 2020), de forma a demonstrar também a utilidade indiscutível de trazermos para o debate interlinguístico dados de línguas não normalizadas e ainda pouco estudadas.

Referências:

Altshuler, Daniel (Ed.). 2022. Linguistics Meets Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/9781108766401

Bybee, Joan L., Revere D. Perkins & William Pagliuca. 1994. The evolution of grammar: tense, aspect and modality in the languages of the world. Chicago: University of Chicago Press. ISBN-13: 978-0226086651

Klein, Wolfgang. 1994. Time in Language. London: Routledge. ISBN-13: 978-0415104128

de Paula, Bruno Alves. 2020. Valores Semânticos e Pragmáticos do Pretérito Imperfeito do Indicativo em Português: uma revisão e proposta de classificação. Tese de Mestrado, FLUL.

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/45544/1/ulflbapaula_tm.pdf

Pratas, Fernanda. 2010. States and temporal interpretation in Capeverdean. In Reineke Bok-Bennema, Brigitte Kampers-Manhe & Bart Hollebrandse (eds.), Romance languages and linguistic theory 2008, 215–231. Amsterdam: John Benjamins. https://doi.org/10.1075/rllt.2.12pra

Pratas, Fernanda. 2012. ‘I know the answer’: A Perfect State in Capeverdean. In Irene Franco, Sara Lusini & Andrés Saab (eds.), Romance languages and linguistic theory 2010, 65–86. Amsterdam: John Benjamins. https://doi.org/10.1075/rllt.4.04pra

Pratas, Fernanda. 2014. The Perfective, the Progressive and the (dis)closure of situations: Comment on the paper by María J. Arche. Natural Language & Linguistic Theory 32(3). 833–853. https://doi.org/10.1007/s11049-014-9236-x

Pratas, Fernanda. 2018. Progressive forms and meanings: The curious case of Capeverdean. Estudos de Lingüistica Galega 10. 103–128.

https://doi.org/10.15304/elg.10.5045

Pratas, Fernanda. 2021a. The expression of temporal meaning in Caboverdean. Berlin/New York: Mouton de Gruyter. https://doi.org/10.1515/9783110626629

Pratas, Fernanda. 2021b. Temporal marking and (in)accessibility in Capeverdean. In S. Baauw, L. Meroni & F. Drijkoningen (Eds.), Romance Language and Linguistic Theory 2018. Selected papers from ‘Going Romance’ 32, Utrecht. Amsterdam/Philadelphia. John Benjamins. 221–247.

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