Quarta-feira, 24 de Abril de 2024
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Revista Estação Literária seleciona artigos sobre "A atualidade do Bildungsroman"

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Chamada para artigos, Estudos Comparatistas, Língua, Literatura

A Revista Estação Literária (ISSN 1983-1048), uma publicação semestral do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina, divulga a chamada para o seu volume 18 que terá como tema ¨A atualidade do Bildungsroman¨. Os artigos podem ser submetidos até 30 de novembro.

Eixo temático

Nem sempre o romance foi visto como esse grande gênero literário que nós, os que demos a nós mesmos o título nada singelo de “modernos”, estamos acostumados a caracterizar como o mais elevado. O homem grego, educado pela poesia épica e pelo teatro, veria como escandalosa esta nossa hierarquia dos gêneros, completamente distinta daquela de Aristóteles ao considerar a tragédia como a arte mais elevada em sua Poética. Mas a sensação deste escândalo não se explica apenas por uma questão de estética ou de retórica, ou seja, uma diferença de como ajuizamos o bom uso da expressão literária. O que a partir do século XVIII nos diferenciou determinantemente de toda a tradição grega não foi apenas uma escolha entre a “poesia” ou a “prosa”, mas muito mais o fato de que o gênero romance tornou explícito um modo de viver que é, ele mesmo, “prosaico”. É esta diferença que James Joyce captou brilhantemente em seu Ulisses, ao parodiar a Odisséia de um homem moderno, transformando aqueles 24 cantos épicos de Homero em 24 horas da vida de um banal Stephen Dedalus.

Joyce sabia como ninguém que a vida do homem moderno é prosaica demais para a forma do canto; só restaria à literatura moderna, portanto, expressar a vida de um indivíduo qualquer por meio da prosa. Isso não quer dizer, no entanto, que a modernidade tornou obsoleta a poesia; quer dizer apenas que a poesia se tornou possível, hoje, justamente a partir desta experiência específica de uma vida prosaica. Assim, não foi apenas por sermos modernamente prosaicos que o romance se elevou para nós como um gênero principal; foi também por termos sentido demasiadamente o peso de nosso prosaísmo que acabamos por sentir a necessidade de poetizá-lo. Daí que tenha sido justamente no auge do processo de modernização, na passagem do século XVIII ao XIX, que se firmou entre nós não apenas a elevação do romance ao mais alto gênero literário, mas também a caracterização específica deste gênero enquanto Bildungsroman, ou seja, romance de formação.

As origens deste gênero remetem, certamente, à obra de Jean-Jacques Rousseau, que, além de suas Confissões, publicou O Emílio, livro que inspira uma profunda tradição pedagógica e filosófica alemã em torno do conceito de Bildung, que significa literalmente “formação”, mas pode ser traduzido também por “cultivo”. É visível a influência de Rousseau sobre o Goethe classicista, cuja obra principal é justamente Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, considerado há muito o grande protótipo do romance de formação na Alemanha, país em que o gênero mais se desenvolveu no século XIX. O que diferencia este de outros tipos de romance é que o herói não é mais concebido enquanto uma personalidade fixa que se desloca pelo mundo, mas é agora, nos dizeres de Bakhtin, uma “unidade dinâmica” que se transforma ao longo da narrativa: no Bildungsroman, “o tempo se interioriza no homem, passa a integrar a sua própria imagem, modificando substancialmente o significado de todos os momentos do seu destino e da sua vida”.

Não é coincidência, portanto, que o romance tenha se tornado o grande gênero literário moderno no mesmo contexto em que o romantismo de Iena, na esteira de Goethe, nos legou a tarefa libertária de “poetizar” todos os âmbitos da existência: contra uma vida moderna entediantemente prosaica, os românticos propõem como antídoto a poetização da vida, que se expressaria da forma mais acabada no Roman, o gênero-total em que cabem todos os gêneros. Para F. Schlegel, só o Roman é capaz de realizar plenamente a união entre o prosaico da vida e o maravilhoso da poesia: “Muitos dos romances mais notáveis são um compêndio, uma enciclopédia de toda a vida espiritual de um indivíduo genial [...] Todo homem que é culto e se cultiva também contém um romance em seu interior”. Assim, não é apenas o Bildungsroman que narra o desenvolvimento espiritual de um homem, mas é também o processo de educação de um indivíduo que se explica como um Roman-tizar – e isso quer dizer para Schlegel, precisamente, cultivar-se, formar-se, educar-se, gestar dentro de si um romance!

Esta conexão necessária entre a educação do homem e o potencial poético do seu destino, que caracteriza o Bildungsroman, explica porque a crise deste gênero literário após a experiência nazista – apontada por Marcus Mazzari em sua leitura de O Tambor, de Günter Grass – é indissociável de uma crise dos próprios valores humanistas que o sustentaram historicamente. É possível ainda um romance de formação na atualidade, mesmo depois dos campos de concentração em 1945, dos ataques terroristas do século XXI e dos outros inúmeros eventos traumáticos que nossa literatura contemporânea testemunham? É possível ainda nos Roman-tizarmos, ou só nos resta a opção de uma literatura do trauma, que aponta para nossa condição de viventes incapazes de aprendizado ou de experiência? Conseguiremos comunicar algo além da sensação de que a História, sentida agora como um abismo, devora cotidianamente nossos pés?

Mais informações através do e-mail estacaoliteraria@gmail.com e na página da revista Estação Literária.

 

 

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