Sexta-feira, 29 de Março de 2024
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Humanidades Digitais: chamada 2019 - Texto Livre: Linguagem e Tecnologia

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Chamada para artigos, Humanidades Digitais

Digitalidade Textual & Digital Textualidade: Interrogação Interdisciplinar & Reconfiguração do Texto na Idade Digital

 

A equipe editorial da Texto Livre convida estudiosos, de diferentes áreas disciplinares, a contribuírem, numa perspectiva transversal e interdisciplinar, para a reflexão que interroga a interação, a simbiose e as dissonâncias entre o textual e o digital. A questão visa centrar-se nas premissas de que, por natureza, o texto é multidimensional e flexível, bem como polifônico e poliformo. O texto é capaz de falar a muitas vozes e línguas, o que o torna interpretável e traduzível de muitas maneiras, ainda que limitadas.

O texto é inerentemente digital, apesar dos séculos de sua disseminação e (re)produção em formas análogas. No final do século XIX, Stéphane Mallarmé construiu o Livro, cuja arquitetura permitiria ao leitor atravessar o texto em qualquer direção e a qualquer momento. A ambição de Mallarmé era criar algo que fosse ainda mais omnipresente do que qualquer media do seu tempo; algo que pretendia radicalizar as experiências de leitura, desde logo, porque a sua construção não foi a de um livro, tal como era entendido na sua época. No entanto, a sua visão revelava-se à frente das palavras de que dispunha para nomear o seu conceito. A construção do Livro parece-se em muito com o que hoje conhecemos como hipertexto e a sua digitalidade esperava, somente, pelo advento da era digital, para ser desbloqueada.

A metáfora do livro e de outros conteúdos materiais de texto, no entanto, muitas vezes apagam a essência transcendente e penetrante do texto. Na era digital, a presença omnipresente dos computadores ofusca a omnipresença do texto que nunca deixou de atuar, inspirar, interpretar e moldar o conhecimento humano, a própria existência e, assim, a cultura. Como meio, o texto revela-se, ainda, mais omnipresente que o digital. O conceito de texto cresceu, tornando-se generoso o suficiente para incluir o material e o imaginário. Produzimos textos quer a partir do interior quer a partir do exterior de nós mesmos. Textos surgem de atos de fala, de pintar, de executar, de poemas, e, ainda, de criar algoritmos ou softwares. Seja como for, cada uma dessas práticas e todas elas são-nos interiores e exteriores também. Acontecem por dentro quando o que percebemos, imaginamos e sonhamos se torna uma substância significativa para nós e, por essa dimensão, revelamo-las e partilhamo-las exteriorizando-as.

Chegamos a entender que o texto é mais do que apenas um meio ou um conteúdo. O texto contém, expressa e transfere idiomas e tudo o que estes implicam. Para usar o “objeto-de-pensar-com” (object-to-think-with) de Seymour Papert, podemos pensar e, por extensão, experimentar textos. O texto é organizado e moldado pela linguagem que incorpora as nossas experiências, pensamentos, personalidades e afins. Hans-Georg Gadamer levou-nos ao ponto de reconhecer e aceitar que estamos no mundo estando na linguagem. Tecer, construir, escrever, falar, pintar ou, de outra forma, produzir um texto leva-nos a um tipo de interface ou a um limite compartilhado entre as nossas mentes e o que quer que seja que percebemos como realidade. As nossas mentes conectam-se através dessa interface. Quando Rainer Marie Rilke ficou sem palavras, reinventou-se como poeta na sua conversa íntima ao longo do tempo ao traduzir a poesia de Louise Labé, a enigmática poetisa francesa do século XVI. Rilke reinventou-se como poeta em sua conversa íntima ao longo do tempo. Se levarmos a ideia de Gadamer ainda mais longe, estamos no mundo ao sermos traduzidos e o texto se torna o mundo na criação interminável.

A agência do texto está próxima da dos organismos vivos. É capaz de invadir as nossas mentes e reescrever o DNA das culturas. Devido à traduzibilidade, o texto vê-se capaz de transmediação: as nossas ideias viajam ampla e distantemente, independentemente dos limites que imaginamos ou experimentamos no nosso caminho. A capacidade textual de transcender e contornar essas fronteiras pela tradução, alusão ou metáfora é, em particular, existencialmente vital nos contextos rigidamente controlados pela censura política, econômica ou ideológica.

A prática da tradução transporta, em si mesma, a intraduzibilidade. A quase impossibilidade de fazer pesquisa interdisciplinar é semelhante à questão da intraduzibilidade linguística. Algo se perde e algo sempre se ganha na nossa demanda. Na perspectiva interdisciplinar, são valiosas e bem-vindas a esta edição as respostas que se queiram juntar à presente reflexão. Nesse sentido, incentivamos os colaboradores a explorar vários aspectos em torno da questão de como o que aprendemos sobre o texto pode ajudar-nos a interrogar a nossa condição na vida, tornando o conhecimento e a criação no mundo digital. E, em contrapartida, perguntamos: De que modo a condição e o estado da digitalidade moldam e avançam a(s) forma(s) como visualizamos e usamos os textos? De que modo o texto instrumental influencia mentes e culturas humanas? E como essa instrumentalidade é imitada e transformada pelo contexto digital? Isto é, como a textualidade se traduz em digitalidade? E o contrário, como o digital se torna uma força narrativa e até mesmo uma entidade? Que ontologias textuais, retóricas e semióticas emergem através da transmediação digital?

Como o texto evolui e se transforma através da nova parceria e confronto entre humanos e máquinas? O que as interrogações digitais do texto nos dizem sobre a materialidade do texto? O que compõe a materialidade do textual e do digital? Como as tecnologias digitais moldam o texto? E de que forma e modos isso desafia essas tecnologias? Como pode o conhecimento textual, no seu sentido mais amplo, explicar a mente humana, a condição e a produção de conhecimento? Como é que o fazer e trabalhar a partir de uma pluralidade disciplinar informa as nossas teorias e pesquisas no interior dos estudos textuais? Ainda que não tenham sido necessariamente estudados como tais por muitas disciplinas estabelecidas da erudição textual, a produção e o consumo de textos inerentemente interdisciplinares verificam que ainda persistem algumas convenções rígidas nas principais teorias textuais. O campo vibrante das Humanidades Digitais (HD) tem desafiado algumas dessas perspectivas monoteístas e visões institucionalizadas do texto. Há muito a ponderar e desbloquear. Por isso, aqui estamos levantando questões sobre o que a erudição textual fez com a liberdade de atravessar textos digitais de maneira desimpedida; somos ousados o suficiente para avançar ainda mais nas águas da erudição textual digital. Que promessa existe para o surgimento da Semiótica Digital? As HD abrem caminhos e absorvem o pensamento inovador e a teoria produzida e em produção fora dos territórios reivindicados. Seja produzida dentro ou fora das HD, a questão atual está aberta à pesquisa interdisciplinar que coloca tanto o textual quanto o digital num único quadro. Ambas as investigações teóricas que tratam, mas não se limitam a, as questões acima e os estudos empíricos que abordam a construção de coisas (object-to-think-with), como a leitura a distância, redes literárias e similares, são bem-vindas.

Datas importantes:

Interessados na edição estão convidados a enviar uma breve proposta de 200-300 palavras para a Profª Gabriele Salciute Civiliene (gabriele.salciute-civiliene@kcl.ac.uk) e para Profª Vanda Sousa em (vsousa@escs.ipl.pt) até 01 de outubro de 2018.

As propostas devem seguir as diretrizes de submissão, conforme detalhado em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/about/submissions#authorGuidelines

Autores selecionados serão convidados a enviar o seu artigo completo para revisão por pares até 31 de dezembro de 2018, com possibilidade de publicação na primeira edição da revista em abril de 2019. Serão aceites as contribuições em português, inglês, espanhol e francês.

 

Organizadoras:

Gabriele Salciute Civiliene (King's College London)

Vanda Sousa (Instituto Politécnico de Lisboa, Investigadora integrada no CISC-NOVA da FCSH da Universidade Nova de Lisboa)

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